Ponderação dos Parâmetros para concessão da assistência judiciária gratuita
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A Constituição Federal de 1988, consagrando o Estado Democrático de Direito, definiu em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A previsão visa dar efetividade ao devido processo legal, consubstanciado, essencialmente – nas palavras do ministro Jorge Mussi, na garantia à ampla defesa e ao contraditório.
"Não se
pode conceber o exercício da pretensão punitiva por parte do Estado sem que
sejam observadas as garantias do acusado à ampla defesa e ao contraditório, as
quais, frise-se, não se prestam somente para zelar pelo interesse deste, mas
também para que seja preservada a imparcialidade do órgão julgador, ao conduzir
um processo no qual as partes foram tratadas de forma parelha, sem nenhuma
vantagem para qualquer delas" – afirmou o ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) no julgamento do HC 368.318.
A assistênciajurídica gratuita, que assegura essas garantias aos necessitados, é prestada
pela Defensoria Pública (DP) – e também por outros meios – e se complementa com
a dispensa do pagamento de despesas judiciais. Embora as expressões às vezes se
confundam no debate dos tribunais, há doutrinadores que fixam uma distinção
clara entre assistência jurídica (orientação e defesa em juízo das pessoas
pobres) e gratuidade de Justiça, ou Justiça gratuita (dispensa de despesas
judiciais).
Ampla jurisprudência
De acordo com a
Constituição de 1988, artigos 134 e 135, cabe à DP "a orientação jurídica,
a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e
gratuita, aos necessitados". A Lei 1.060/1950 estabelece normas para a
concessão da assistência judiciária.
O novo Código de
Processo Civil (CPC/2015), nos artigos 98 a 102, dispôs sobre a gratuidade de
Justiça, prevendo ser o benefício direito da pessoa natural ou jurídica,
brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas,
as despesas processuais e os honorários de advogados e peritos. Até das
despesas com exame de DNA, por exemplo, o beneficiário da Justiça gratuita está
livre.
A Secretaria de
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu três edições
(148, 149 e 150) do boletim Jurisprudência em Teses, com um total de 40 teses
jurídicas sobre gratuidade de Justiça. Confira, na sequência, alguns
entendimentos do tribunal sobre a matéria.
Defensor dativo
Ao julgar o RMS 49.902, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma do STJ firmou o entendimento de que a DP não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídicagratuita àqueles que não têm meios financeiros para contratar advogado, assim como não existe o direito subjetivo do acusado de ser defendido pela DP.
Na ocasião, o
relator destacou que, caso não haja órgão de assistência judiciária na comarca
ou subseção judiciária, ou se a DP não estiver devidamente organizada na
localidade, é admissível a designação de defensor dativo, sem que haja
declaração automática de nulidade do processo.
Reynaldo Soares
da Fonseca rememorou decisão no RHC 106.394, de relatoria da ministra Rosa
Weber, em que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a
preferência de nomeação da DP para a representação do réu incapaz de custear
seu próprio patrono, caso o órgão esteja devidamente estruturada no local.
Porém, segundo o
ministro do STJ, "tal interpretação é passível de uma série de exceções e
mitigações, e não impede a substituição pontual do defensor público por
defensor dativo" – por exemplo, no caso de o defensor público não produzir
uma defesa efetiva, situação em que a própria lei aconselha sua
substituição.
A tese foi
aplicada também no julgamento do RHC 105.943, em que o relator do processo,
ministro Felix Fischer, salientou que, em caso de nomeação de defensor dativo,
"a declaração de nulidade exige a comprovação de prejuízo, em consonância
com o princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)".
Requisitos legais
"O custeio
da causa pela DP não expressa a automática concessão dos benefícios da Justiça
gratuita, devendo ser observadas as condições necessárias para a obtenção de
seus efeitos previstos em lei." Essa foi a tese aplicada pela Terceira
Turma do STJ no julgamento do AgInt no AREsp 1.012.133, de relatoria do
ministro Villas Bôas Cueva.
No caso
analisado, o réu recorreu de decisão da presidência do STJ que negou seguimento
a recurso interposto por ele, sob o fundamento de que não foram juntados aos autos
a guia de custas e o comprovante de pagamento do preparo.
O recorrente
alegou que, por se tratar de processo com exercício de curadoria especial pela
DP, a exigência de pagamento de custas representaria obstáculo à representação
processual, além de configurar cerceamento de defesa e ferir os princípios do
contraditório e da ampla defesa.
Sem presunção
Em seu voto, o
ministro Villas Bôas Cueva citou decisão sob relatoria do ministro Marco
Aurélio Bellizze no AgRg no AREsp 772.756, em que a mesma Terceira Turma
decidiu que o deferimento da Justiça gratuita não se presume, mesmo na hipótese
de a DP atuar como curadora especial, em caso de revelia do réu devedor, citado
fictamente.
Ele lembrou
ainda orientação jurisprudencial que define que "as guias de recolhimento
e os respectivos comprovantes de pagamento do preparo são essenciais para a
regularidade recursal, devendo ser comprovado o correto recolhimento no ato de
interposição do recurso, sob pena de deserção".
Em julgamento
semelhante, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca (AgRg no AREsp
729.768), a Quinta Turma estendeu o entendimento de que não se presume a
gratuidade de Justiça às causas patrocinadas pelos núcleos de prática jurídica.
Intimação pessoal
Ainda em relação
aos núcleos de prática jurídica, a jurisprudência do STJ entende que seus
advogados, por se equipararem aos defensores públicos na prestação da
assistência judiciária gratuita, serão intimados pessoalmente de todos os atos
processuais. O entendimento foi aplicado pela Quinta Turma no julgamento do
AgRg no AREsp 780.340, de relatoria do ministro Gurgel de Faria.
Na ocasião, o
relator reconheceu o direito de intimação pessoal dos advogados integrantes dos
núcleos de prática jurídica, porém destacou que, apesar do privilégio, tais
defensores não estão dispensados de apresentar a procuração ou o ato de
nomeação judicial, por ausência de previsão legal.
Da mesma forma,
o colegiado decidiu no HC 387.135, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, anular
decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por entender que a
ausência de intimação pessoal do defensor do núcleo de prática jurídica
constitui prejuízo à parte.
Ribeiro Dantas
destacou que "o reconhecimento de nulidades no curso do processo penal
reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o
princípio da instrumentalidade das formas, positivado pelo artigo 563 do Código
de Processo Penal".
No caso dos
autos, o magistrado destacou que, com a não realização da intimação
pessoalmente, ficou "manifesta a ilegalidade imposta ao paciente".
Pedido expresso
Segundo a
jurisprudência do STJ, o benefício da assistência judiciária gratuita depende
de expresso pedido da parte, sendo vedada sua concessão de ofício pelo juiz.
Ao julgar o AgRg
no AREsp 694.351, de relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda
Turma negou seguimento ao recurso de um
sindicato que sustentou o direito à gratuidade de Justiça no âmbito do STJ, em
virtude de ter obtido dispensa do pagamento de custas e preparo na ação civil
pública que deu origem ao agravo interposto no tribunal.
Em seu voto, o
ministro relator destacou que, neste caso, a alegação da parte não merece
prosperar, visto que, se não há pedido de concessão dos benefícios da
assistência judiciária gratuita anterior à interposição do recurso especial,
nem decisão expressa que defira tal vantagem, não compete ao magistrado
conferi-la de ofício.
"A
concessão do benefício está condicionada à existência de pedido expresso do
interessado em tal sentido, de modo a declarar que não está em condições de
pagar as custas processuais e os honorários advocatícios sem prejuízo da
subsistência própria ou de sua família."
Não retroatividade
Outra importante
definição sobre o tema é que o deferimento do pedido de gratuidade de Justiça
tem efeitos ex nunc, ou seja, não alcançam encargos anteriores ao requerimento
do benefício.
Esse foi o
entendimento da Quinta Turma ao julgar o AgRg no REsp 839.168, de relatoria da
ministra Laurita Vaz. Em seu voto, a relatora afirmou que o pedido de
gratuidade de Justiça pode ser formulado em qualquer fase do processo,
inclusive na execução da sentença, porém, os seus efeitos não poderão retroagir
para alcançar atos processuais anteriormente convalidados.
Caso se esteja
na fase de execução do julgado, a magistrada salientou que o requerimento
"não poderá ter o propósito de impedir a execução dos honorários
advocatícios que foram anteriormente fixados no processo de conhecimento, no
qual a parte litigou sem o benefício da Justiça gratuita".
Ação de alimentos
Recentemente, a
Terceira Turma decidiu que a gratuidade em ação de alimentos não exige prova de
insuficiência financeira do responsável legal, tendo em vista que o direito à
gratuidade tem natureza personalíssima (artigo 99, parágrafo 6º, do Código de
Processo Civil de 2015) e que é notória a incapacidade econômica dos menores.
Porém, o
colegiado ressalvou que, em tais casos, há a possibilidade de posterior
impugnação do benefício, nos termos do parágrafo 2º do artigo 99 do CPC, o qual
garante ao réu a chance de demonstrar a eventual ausência dos pressupostos
legais para a concessão da gratuidade – preservando, dessa forma, o direito
constitucional ao contraditório.
"É evidente
que, em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um
forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e
obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor,
o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o
direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação
financeira de seus pais", afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do
processo.
Com esse
entendimento, o colegiado reformou decisão que havia indeferido a gratuidade
por falta de comprovação de impossibilidade financeira da representante dos
menores – a qual exercia atividade remunerada na época do pedido.
Redução de padrão
Em seu voto, a
relatora destacou ainda que o fato de a representante legal possuir atividade
remunerada não impediria, por si só, a concessão do benefício, e que o atraso
da pensão alimentícia pelo genitor, no caso analisado pela turma, contribuiu
para a redução do padrão de vida da família, o que justificaria a declaração de
insuficiência momentânea de recursos.
"Diante do
evidente comprometimento da qualidade de vida dos menores em decorrência do
sucessivo inadimplemento das obrigações alimentares pelo genitor, geradoras de
cenário tão grave, urgente e de risco iminente, não é minimamente razoável o
indeferimento do benefício da gratuidade da Justiça aos menores credores dos
alimentos."
Contadoria judicial
Em recurso
repetitivo, a Segunda Seção, ao julgar o REsp 1.274.466, de relatoria do
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, definiu que, para a liquidação por fase
autônoma, o beneficiário da assistência judiciária gratuita tem direito à
elaboração de cálculos pela contadoria judicial, independentemente de sua
complexidade.
O caso foi
cadastrado como Tema 672 na base de dados de repetitivos do STJ e consolidou o
entendimento firmado pela Corte Especial nos EREsp 541.024 e 450.809. Para
definir a tese, o colegiado analisou a possibilidade de atribuição do encargo
ao réu, na hipótese em que o autor seja beneficiário da gratuidade da Justiça.
Sobre a questão,
a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.200.099, observou que o fato de o
autor exequente estar amparado pelo benefício da assistência judiciária não
autoriza a remessa automática dos autos ao contador judicial.
Porém, ela
afirmou que, uma vez requerida pelo beneficiário da Justiça gratuita a
elaboração dos cálculos do valor da condenação pela contadoria judicial, não
cabe ao juiz negá-lo com fundamento na análise da suposta ausência de
complexidade dos cálculos ou na atuação da DP.
Facilitação da defesa
Isso porque, no
caso analisado pela Terceira Turma, o tribunal de origem manteve decisão de
primeiro grau que indeferiu o benefício, sob o fundamento de que o artigo
475-B, parágrafo 3º, do CPC – o qual dispõe que os cálculos poderão ser feitos
pelo contador judicial nos casos de assistência judiciária – é exceção e só
deve ser aplicado quando a elaboração dos cálculos apresentar complexidade
extraordinária.
Nancy Andrighi
lembrou que, de fato, a evolução legislativa reduziu o campo de atuação do
contador judicial, mas não excluiu sua participação nas hipóteses em que a
memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão
exequenda ou nos casos de assistência judiciária.
"O artigo
475-B, parágrafo 3º, do CPC, ao permitir a utilização da contadoria,
excepcionando a regra geral de que os cálculos do valor da execução são de
responsabilidade do credor, não faz a exigência de que o cálculo deva
'apresentar complexidade extraordinária', ou que fique demonstrada a
'incapacidade técnica ou financeira do hipossuficiente'."
Para a
magistrada, "especificamente no que tange às hipóteses de assistência
judiciária, é importante consignar que a finalidade da norma é claramente a de
facilitação da defesa daquele credor que não tem condições financeiras de
contratar profissional para realização dos cálculos sem comprometimento do seu
sustento ou de sua família".
Prazo para comprovação
Outra importante
tese foi firmada no ano passado pela Terceira Turma ao julgar um caso
envolvendo pedido de gratuidade de Justiça que foi indeferido sem ter sido
aberto prazo para a empresa solicitante comprovar a alegada hipossuficiência
financeira.
Ao julgar o REsp
1.787.491, o colegiado entendeu que a assistência jurídica gratuita só poderá
ser negada pelo magistrado se houver elementos nos autos que indiquem a falta
de critérios legais para a concessão do benefício, e apenas depois de intimado
o requerente para comprovar a alegada hipossuficiência, como previsto nos
artigos 98 e 99 do CPC/2015.
A relatoria foi
do ministro Villas Bôas Cueva, que destacou que, "antes do indeferimento,
o juiz deve determinar que a parte comprove a alegada hipossuficiência.
Indeferido o pedido de gratuidade de Justiça, observando-se o procedimento
legal, o requerente deve ser intimado para realizar o preparo na forma simples.
Mantendo-se inerte, o recurso não será conhecido em virtude da deserção".
Pessoa jurídica
Para o STJ, faz
jus ao benefício da Justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins
lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos
processuais – entendimento firmado na Súmula 481. Com base no enunciado, a
Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.648.861, decidiu que o benefício só pode ser
concedido à massa falida se comprovada a hipossuficiência.
No processo
analisado pelo colegiado, a massa falida de uma empresa de alimentos contestou
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que não lhe concedeu a
gratuidade por entender que massa falida de empresa não se enquadra no perfil
de hipossuficiente adotado pelo legislador. O tribunal consignou ainda a
necessidade de comprovar a falta de recursos para o pagamento das custas e
despesas processuais.
Ao STJ, a massa
falida alegou que estava em processo de falência e que não poderia arcar com as
despesas judiciais, por não ter liquidez financeira.
Em seu voto, a
ministra relatora, Nancy Andrighi, manteve a decisão do TJSP, seguindo
posicionamento da Primeira Seção no EREsp 855.020, de relatoria do ministro
Benedito Gonçalves, que concluiu que "o benefício da gratuidade pode ser
concedido às massas falidas apenas se comprovarem que dele necessitam, pois não
se presume a sua hipossuficiência".
Bibliografias Selecionadas
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Bibliografias Selecionadas, da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz,
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